Por Bruno Alencar
O professor Gilmar de Carvalho é doutor em Comunicação, pesquisador e profundo conhecedor da cultura popular.
O professor Gilmar de Carvalho é doutor em Comunicação, pesquisador e profundo conhecedor da cultura popular.
...
De onde veio o seu interesse em estudar a Cultura Popular Cearense?
Olha, eu sempre quis trabalhar
com alguma coisa que tivesse a ver com o Ceará, porque eu achava muito
estranho, continuo achando (estranho que) as pessoas façam mestrado, doutorado,
façam, publiquem livros e deem as costas para nossa realidade. Nós temos uma
realidade muito contraditória, dura e ao mesmo tempo muito rica. Então eu quis
trabalhar com essa realidade. No meu mestrado eu estudei Folheto de Cordel
Publicitário. Comé que algumas empresas, pequenas empresas, algumas manufaturas, elas encomendavam pra vender seus produtos,
serviços, pra vender em algumas lojas. Então no doutorado eu já estudei com o
cordel como ele foi usado para reforçar a imagem do Padre Cícero. Não só
cordel, também a xilogravura. Aquelas ilustrações que são cortadas na madeira,
escavadas na madeira que depois vocês intintam.
Imprimem como se fosse um carimbo.
Então eu comecei a sentir um
desejo muito grande de cada vez fazer um mergulho maior na realidade do Ceará. Hoje eu posso dizer a vocês que eu conheço, já
visitei todos os 184 municípios do Ceará. E não apenas as sedes, (mas) sítios,
localidades distantes, estradas carroçáveis, a gente conversa com as pessoas.
Viajo sempre com um amigo meu, companheiro de trabalho chamado Francisco Sousa.
O Francisco é fotógrafo, e é também videomaker.
Ele faz as fotos das pessoas, faz os vídeos, grava as pessoas falando, e eu
faço as entrevistas. Então a partir daí nós já publicamos alguns livros,
publicamos 6 livros, em parceria minha com o Francisco e a gente tem projetos
de continuar viajando pelo Ceará compreendendo melhor o Ceará, pra que a gente
tenha uma ideia melhor e possa transmitir o nosso viés, a nossa visão de mundo,
do Ceará para outras pessoas poderem concordar
ou não, que poderão fazer também as suas viagens, complementar os nossos
livros, e assim a gente faz com que a cultura do Ceará possa circular.
Trabalhar com a cultura popular cearense, o que despertou isso em você?
Essa vontade?
O meu interesse veio disso, que
algumas pessoas não se interessam e eu quis me interessar porque não é uma
visão saudosista que eu tenho do Ceará, sabe? É um desejo que tenho de deixar
gravado, deixar registrado, deixar gravado, comé que as pessoas agem hoje, o
que que elas fazem, sabe? Que tipo de trabalho com cerâmica, com madeiras, comé
que elas fazem cajuínas, comé que elas fazem tapiocas, as casas de farinha, as
danças de São Gonçalo, os folguedos, os reisados.
Você publicou 10 livros sobre a vida de Patativa do Assaré. Conte como
o conheceu?
Eu conheci o Patativa através dos
livros. Eu li Cante lá que eu canto cá
logo que ele foi lançado. Acho que em 1984 se eu não me engano. E eu fiquei
muito apaixonado pela poesia do Patativa. Quis conhecê-lo pessoalmente.
Consegui conhecê-lo e nesse momento eu trouxe os cordéis dele e foram
publicados pela secretaria da cultura.
Gilmar, você migra do jornalismo para a publicidade no final da década
de 1970. Era um momento bom para a publicidade cearense?
Era sim. E duas pessoas foram
muito importantes para a minha ida para a publicidade: uma delas foi a Dodora
Guimarães, que sugeriu ao Barroso Damasceno a minha contratação como assessor
de comunicação da Scala. Na verdade, eu não entrei na Scala como publicitário,
entrei como jornalista. Ficava buscando brechas para colocar a agência nos
jornais. Isso foi em 1978. Logo depois o Barroso contratou o Augusto Pontes e
aí deu-se a virada. Augusto liderou o processo de defender uma publicidade com
referenciais da cultura cearense. E foi a partir daí que a gente começou a
falar muito em cordel, xilogravura, cantoria, falar do cotidiano da cidade,
também para imprimir um diferencial, porque estavam chegando aqui agências de
fora. Nós tínhamos escritórios de grandes agências, nacionais até, em
Fortaleza.
Então, a Scala quis marcar uma
diferença e a Mark, de certo modo, acompanhou a Scala. Paulo Linhares veio para
a Publicinorte, mas depois foi para a Mark e lá fez também trabalhos
interessantíssimos nessa linha de valorização da cultura cearense e nordestina.
Fiquei quatro anos na Scala e foi um período muito estimulante.
Você comenta que é um desafio fazer publicidade em meio à pobreza que
nos cerca. O que esse dilema tem ensinado, já que você escreve também que o
consumo pode ser considerado uma instância de cidadania?
A gente sempre teve um mercado
muito pobre e quando eu falo isso é a partir de dados, de referenciais, a
partir da compreensão da história do Ceará. Não é para diminuir o Ceará. Mas a
gente sempre teve um mercado muito restrito, com baixo poder aquisitivo,
enquanto as elites podem comprar tudo. Você vê aí no livro: no século XIX, a
gente encontra consumo de salmão, consumo de bacalhau, consumo de vinhos,
consumo de azeitonas. As elites sempre se deram muito bem e o povo sempre ficou
à margem.
Então, a gente sabia que tinha um
mercado restrito. E a publicidade, talvez por um erro, que está sendo
consertado hoje com as novas gerações, não queria fazer coisas pequenas, ela
não queria ir atrás de pequenos empreendedores, pequenos anunciantes. Ela
queria o filé! E isso foi ruim, de certo modo, porque excluiu mais ainda... O
pequeno empreendedor não tinha como anunciar. Tevê era caro, jornal era caro,
publicidade também era caro. No dia do lançamento do livro, na Unifor, alguns jovens, rapazes e moças, estudantes e outros recém-formados, me falaram que
atuam, praticamente, nesse nicho das pequenas contas, dos pequenos
empreendedores. Eu fiquei muito feliz ao saber disso, porque a gente é tão
excluído que quando consegue comprar alguma coisa de certo modo entrou no
clube. A gente saiu da exclusão absoluta e começa a tentar dialogar com o
mercado, com o consumo.
Mas quando a gente passa a fazer publicidade do nosso jeito e com a
nossa cara mais profissionalmente?
A partir da inauguração da TV
Ceará, em 1960. A TV Ceará tinha um estúdio só para a publicidade, separado dos
estúdios das novelas, dos programas de shows, do noticiário. Mas quando essa
publicidade começou não existia videotape,
que só chegou em 1966. Então, entre 1960 e 1965 a gente vai ter uma publicidade
que se baseava muito nos garotos ou garotas-propaganda. Entrava uma pessoa e
dizia: compre nas lojas tal, compre isso, compre aquilo, em tantos meses... A
pessoa vinha com o discurso pronto. E tínhamos o que era o básico: as
cartolinas, que eram colocadas na parede e a câmera vinha e se aproximava, aí
era: Lojas Couto e o slogan “cinco lojas e um só preço”. Isso já era uma
publicidade com a nossa cara, uma cara tímida ainda, mas era. Uma das pessoas
que trabalhou na tevê, fazendo tanto essas cartolinas, como também ajudando a
fazer cenários, foi o Audifax Rios, grande artista visual e poeta, um homem
muito sensível. Então, acho que a partir daí, com a implantação da tevê, a gente
começa a ser levado a sério, a publicidade como um negócio, e essa cearensidade
passa a ser mostrada.
Você fala o quanto é importante o publicitário, assim como o
jornalista, sair da sua zona de conforto, se misturar e se aproximar dos
diversos grupos sociais, procurar ouvir a voz das ruas.
Durante muito tempo nós tivemos
uns publicitários que andavam em carros muito caros, muito bem vestidos, que
não se misturavam com as pessoas. E eu sempre procurei esse enfrentamento, essa
mistura. Eu vim para cá conversar com você, na Associação Cearense de Imprensa
(ACI), no Centro, de metrô, que eu pego perto da minha casa, desço na praça
José de Alencar e venho vindo. Aí eu vejo as pessoas montando barracos, sinto o
cheiro das pessoas, eu sei o que elas falam. Acho bom ter esse contato,
conversar com quem tem menos poder aquisitivo, menos informação, saber sobre o
repertório delas, o que pensam, o que querem, quais são seus medos, sonhos,
anseios.
Essa é a maior parte das pessoas
para as quais a gente fala. E, às vezes, por se distanciar, a gente fala de uma
maneira equivocada, porque quer falar de acordo com a norma culta, com a
erudição. Também não podemos cair no populismo bobo, não é isso que estou
propondo, mas falarmos como as pessoas querem que a gente fale. O Centro da
cidade é um grande laboratório. É talvez a Fortaleza mais profunda, a Fortaleza
mais parecida com Fortaleza. O resto é um simulacro de Fortaleza, na
verdade.
Queria que você fizesse um retrospecto, começando pelo título do próprio livro, O Gerente Endoidou, das pérolas da publicidade local e regional. O que você destacaria?
O título do livro é um bordão criado por Tarcísio Tavares. Tarcísio foi uma pessoa importantíssima na publicidade cearense. Ele foi um dos fundadores, com seu Dudu e Maninho Brígido, da Publicinorte, a primeira agência do Ceará, fundada em 1964, ironicamente no ano do Golpe Militar. Existiram outras, mas eram muito incipientes, então a Publicinorte foi a primeira que veio com estrutura de agência. Seu Dudu tinha sido um grande corretor de anúncios, aquele homem que saía sozinho com a pasta debaixo do braço, visitava os anunciantes, voltava com o briefing, com anotações, que fazia o spot de rádio, fazia o anúncio de jornal, muitas vezes ajudado pelos próprios diagramadores dos jornais, enfim, era uma coisa muito improvisada. Mas o seu Dudu foi tão grande que quando foi fundada essa primeira agência ele tinha que ser incorporado. A experiência dele era importante. E o Tarcísio tinha feito teatro e era tido, no meio da comunicação e da cultura, como uma pessoa muito bem humorada. Era muito debochado, brincalhão, irônico. E ele levou essas características para a agência dele.
Então, “O Gerente Endoidou” era o bordão de uma loja, a Esmeralda. Todo ano tinha uma campanha, acho que no aniversário da Esmeralda: o gerente endoidava, endoidava de forma diferente, às vezes ele jogava tudo no chão, plantava bananeira dentro da loja, botava boneco, entre aspas, como se diz, estava sempre aprontando. E o Tarcísio fez muitas outras coisas interessantes. Ele levou o rock, a Jovem Guarda para as lojas Ocapana, então as lojas tinham trilha-sonora, os rapazes e as moças entravam e se identificavam com o que estavam ouvindo, as roupas eram para jovens, jovens que andavam de moto. Foi muito interessante isso. Tiveram outras ainda mais engraçadas. Lembro que havia uma histeria em relação aos Beatles, as fãs rasgavam as roupas, eles eram queridíssimos. E o Tarcísio colocou em cima de uma marquise de uma loja um rapaz que representava um ídolo pop. E as pessoas quando passavam e viam gritavam, mas aquele rapaz não era nada, não era cantor, não era ator, era apenas um jovem que estava ali ganhando um cachê para posar de celebridade. Tarcísio fazia essas coisas.
Queria que você fizesse um retrospecto, começando pelo título do próprio livro, O Gerente Endoidou, das pérolas da publicidade local e regional. O que você destacaria?
O título do livro é um bordão criado por Tarcísio Tavares. Tarcísio foi uma pessoa importantíssima na publicidade cearense. Ele foi um dos fundadores, com seu Dudu e Maninho Brígido, da Publicinorte, a primeira agência do Ceará, fundada em 1964, ironicamente no ano do Golpe Militar. Existiram outras, mas eram muito incipientes, então a Publicinorte foi a primeira que veio com estrutura de agência. Seu Dudu tinha sido um grande corretor de anúncios, aquele homem que saía sozinho com a pasta debaixo do braço, visitava os anunciantes, voltava com o briefing, com anotações, que fazia o spot de rádio, fazia o anúncio de jornal, muitas vezes ajudado pelos próprios diagramadores dos jornais, enfim, era uma coisa muito improvisada. Mas o seu Dudu foi tão grande que quando foi fundada essa primeira agência ele tinha que ser incorporado. A experiência dele era importante. E o Tarcísio tinha feito teatro e era tido, no meio da comunicação e da cultura, como uma pessoa muito bem humorada. Era muito debochado, brincalhão, irônico. E ele levou essas características para a agência dele.
Então, “O Gerente Endoidou” era o bordão de uma loja, a Esmeralda. Todo ano tinha uma campanha, acho que no aniversário da Esmeralda: o gerente endoidava, endoidava de forma diferente, às vezes ele jogava tudo no chão, plantava bananeira dentro da loja, botava boneco, entre aspas, como se diz, estava sempre aprontando. E o Tarcísio fez muitas outras coisas interessantes. Ele levou o rock, a Jovem Guarda para as lojas Ocapana, então as lojas tinham trilha-sonora, os rapazes e as moças entravam e se identificavam com o que estavam ouvindo, as roupas eram para jovens, jovens que andavam de moto. Foi muito interessante isso. Tiveram outras ainda mais engraçadas. Lembro que havia uma histeria em relação aos Beatles, as fãs rasgavam as roupas, eles eram queridíssimos. E o Tarcísio colocou em cima de uma marquise de uma loja um rapaz que representava um ídolo pop. E as pessoas quando passavam e viam gritavam, mas aquele rapaz não era nada, não era cantor, não era ator, era apenas um jovem que estava ali ganhando um cachê para posar de celebridade. Tarcísio fazia essas coisas.
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